O prazer sexual dos corruptos intocáveis
Arnaldo Jabor (O Estado de São Paulo - 24/04/07)
'Fique nu, fique nu aí!', me ordenou o desembargador, ' fique pelado, que eu quero ver se tem algum gravadorzinho escondido no seu rabo, seu cabra da peste! Tire a cueca, senão eu atiro! Tudo bem... Hoje, acordei numa tesão de lhe contar tudo, que mal me seguro! Nem sei por quê... E ouça, seu jornalistazinho de bosta, você vai ouvir a história de minha vida, como um grande vômito de verdade para você entender que tudo que acontece neste país não é a exceção; é a regra! Eu cheguei onde estou porque percorri os tradicionais caminhos da lama e da corrupção.
Nasci no mato, sim, ferrado, e comecei a vida como grileiro, o mais sujo dos grileiros, não o que assinava os documentos falsos, mas o que caçava grilos para botar nas caixinhas dos documentos para fingir que eram antigos, sabia que era assim? Há uma beleza folclórica nessa prática, a gente sujava os documentos de terra e o grilinho ficava ali dentro, cagando em cima para fingir a velhice da certidão do papel da propriedade e assim expulsamos muito posseiro miserável e consegui minhas terrinhas... Por que está coçando a bunda? Deixe ver se tem algum chip de internet aí...
Agora, delicie-se com minha ignomínia, seu racionalista fracassado, pois era assim que roubávamos as terras dos pobres, se bem que hoje... ahh... a tecnologia... hoje se faz tudo no microondas, amarelando os papéis como folhas no outono... Hoje, nem precisa expulsar ninguém... muito chato, velhinhos chorando, porrada nos recalcitrantes, hoje ficou tudo mais fácil: com as fazendas falsas de garantia, eu levanto grana em banco. E foi assim que cheguei a vereador, deputado, foi assim que comprei meu título de advogado, isso, paguei sim, paguei um filho de uma égua de um advogado para me substituir no exame e ele respondeu tudo por mim... Ha! Ha!... eu me clonei!... Está enojado, babaca? Queres o quê? A razão, a ética? Ah, isso são luxos inventados pelos franceses, como os escargots. Virei juiz de comarca, com meu belo diploma falso na parede, e vendi muitas sentenças para fazendeiros, queimadores de florestas, enchi o rabo de dinheiro e fui para o Rio de Janeiro... Aí, eu já tinha direito a uma dignidade grave e ao doce 'frisson' de me sentir superior aos medíocres honestos que se sentem 'dignos'; digno era eu, impávido, mentindo, pois a mentira é um dom dos seres superiores e a honestidade, uma fraqueza de servos. Aí, eu me permiti as doçuras da vida, além do dinheiro encafuado. Eu pude amar... E não falo das quengas que comia não, não falo das secretárias de quatro, não, falo de amor mesmo, pois me apaixonei por aquela que virou mãe de meus filhos. 'Vixe!' Maria, que volúpia de tudo dizer, que prazer novo: ver tua impotência diante de mim! E vais ouvir até o fim, aí, nu, senão este revólver aqui eu disparo na tua cara e claro que nada me acontecerá, pois eu sou desembargador, eu sou o código de execuções penais...
Mas, como eu ia dizendo, o amor que tive por aquela mulher nunca me fez esquecer do delicioso mundo do oculto, do secreto e fui criando minha rede, empregando parentes nos foros, minha mulher que tanto amei, mas que não comia mais (pois já estava apaixonado por uma mulatona arretada, prostituta, que depois larguei por um travesti, uma centaura maluca que até hoje eu sustento), mas nunca, nunca abandonei a mãe de meus filhos, e fi-la, como diria o Jânio, fi-la intermediária entre mim e os maravilhosos contraventores do bicho no Rio. A descoberta do bicho foi um deslumbramento. Deus, como é fascinante o crime urbano, muito mais colorido, divertido que aqueles caipiras e fazendeiros boçais. Que doçura popular envolve essa gente, que mesmo em contravenção pensa no samba, no amor e na política. Tudo tão... como direi? Hein, idiota, metido a escrever? Tudo tão sincrético e poético!... E, aí, fui criando a minha rede de parentes e amigos; como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança de fio de bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime... Assim, aos poucos, eu fechei o ciclo que começou nos grilos sujos que catei na Paraíba, até a minha toga negra, da melhor seda pura que minha esposa comprou em Miami, e não fui feito desembargador federal nas coxas não; eu já sabia que bastavam padrinhos e meia dúzia de frases em latim: 'Si vis pacem, para bellum!' Bastam a pose e o perfil de medalha, o terno brilhante, a gravata de bolinhas, e eu já comandava um império de torturadores, mulatas gostosas, em feijoadas gargalhantes no Catumbi e até nos mais finos salões das embaixadas... Tenho a comenda de Rio Branco, babaca, e tu tem o quê? Nada... Conheço todo mundo, levo tapinhas nas costas, meu saco é puxado nas rodas políticas de Brasília, todos de olho em meus favores, de alto preço, claro, que eu não trabalho com mixarias... Outro dia eu faturei 700 mil reais com uma liminar de bingos, ali, quentinhos na hora... Acho tão lindo o mundo de néon colorido dos templos dos bingos, as luzes, as velhas loucas, as putas vorazes, tudo é tão belo em nossa Las Vegas vagabunda... Ahh... que prazer novo falar isso tudo, que delícia!
Agora, surgiram esses babacas da PF brincando de Swat, mas não vai adiantar essa macheza de filme, porque depois vou absolver os presos, um a um. E eles vão ter de pagar também, não tem coleguismo não, pois foram babacas e eu não sou relógio para trabalhar de graça. E tem mais, seu imbecil pelado, não estou sozinho - justiça seja feita -, há muitos desembargadores de alto nível e acima de qualquer suspeita como eu...
Pronto... vomitei tudo! Ahh... que delícia!... Agora está aqui o gravador. Vista-se rápido que vou dar minha declaração pública.
'Sou um homem ilibado e o que aconteceu no Judiciário neste casamento espúrio com o crime organizado é uma desonra para nosso Brasil...!' Pronto... falei; pode escrever o que quiser, ninguém acreditará, pois a verdade sou eu... Agora, ponha-se daqui para fora, que eu estou quase gozando. A verdade é afrodisíaca. Vai ser uma festa com minha centaura hoje! Fora!'
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