06 julho, 2016
'A opção de ser feliz não é da empresa. É de cada um'
O desafio de Marcio Fernandes, o CEO da distribuidora de energia Elektro, não é apenas entregar bons resultados aos acionistas da companhia. É também colocar em prática uma “filosofia” de gestão com um idealismo incomum no mundo corporativo. Aos 40 anos, ele dissemina, dentro e fora da empresa, o conceito de felicidade no trabalho como forma de melhorar a rentabilidade dos negócios.
Há quatro anos, quando assumiu a presidência da Elektro, implementou um sistema de meritocracia no qual cada funcionário é responsável pelo próprio treinamento e desempenho e em que o diálogo franco é fortemente estimulado em todos os níveis hierárquicos. Neste mês, ele lança o livro "Felicidade dá Lucro" (Companhia das Letras), no qual descreve seu estilo e ferramentas de gestão, além de histórias de vida e reflexões que o levaram a construir o conceito.
Filho de um operário metalúrgico e de uma cabeleireira, Marcio começou a trabalhar aos 12 anos, como auxiliar de mecânico. Foi empacotador e vendedor das Lojas Pernambucanas e, com o próprio dinheiro, cursou Administração de Empresas. Em 2004, ingressou na Elektro, que tem sede em Campinas, no interior de São Paulo, cidade em que ele nasceu.
Desde então, Fernandes viu a satisfação da equipe crescer de 69% para 99%. Hoje, faz palestras para empresas pelo Brasil para disseminar sua filosofia (ele evita chamar de “modelo de gestão”). “É um resgate de valores que adoraria ver se solidificar na sociedade como um todo”, afirma.
A seguir, ele explica os pilares de sua filosofia e como ela tem impactado os negócios.
O que vem primeiro: a felicidade ou o lucro?
Sempre a felicidade. Tem gente que só tem dinheiro. E tem gente que não tem dinheiro, mas é feliz. A proposta do meu trabalho é ter felicidade e lucro. Essa combinação traz equilíbrio para uma pessoa estar bem com quem é e o que faz. Então, ela tem uma tranquilidade maior para conquistar resultados melhores – seja no seu negócio, seja na sua vida pessoal. Por isso, fazemos uma campanha muito grande para que os colaboradores consigam encontrar um propósito para seu trabalho. Quando isso acontece, tentamos convergir o propósito da empresa com o da pessoa. Normalmente, a missão, a visão e os valores da companhia estão escritos na parede, e alguém diz: “Cumpra”. Não há, em geral, intenção de convergência com os objetivos pessoais de cada um. Por esse caminho, pode ser que dê certo e pode ser que não. Quando se tem a unidade entre a missão, a visão e os valores de cada profissional e os da companhia, as pessoas trabalham de forma mais sólida em direção ao que sonham, se dedicam com mais profundidade. E a empresa se beneficia, claro, porque o profissional não estará ali só de corpo presente.
Pode dar um exemplo prático dessa convergência entre os propósitos de alguém e o da empresa?
Há muitos exemplos. Um deles é o de uma pessoa que estudou em uma ótima faculdade de engenharia, mas tinha o sonho de trabalhar na área de recursos humanos. Em uma empresa convencional, ela não deveria falar sobre isso abertamente. Porque, se o fizesse, seria vista como alguém insatisfeita com o trabalho e, portanto, como forte candidata a sair da companhia. Na filosofia de gestão que implantei, ela deve falar sobre isso. Existe um diálogo franco, aberto, transparente. Todos sabem que a pessoa tem esse desejo. Incentivamos que ela não só conte, como documente essa vontade em um plano de desenvolvimento. Assim, ela tem a possibilidade de se preparar para aquilo. Pode se candidatar para uma vaga que abrir, com o gestor dela sabendo disso. E a certeza de que não será prejudicada por essa clareza.
A empresa oferece algum suporte, como treinamento, para as pessoas se prepararem para mudar de área ou fazer uma transição de carreira dentro da companhia?
Nós oferecemos a oportunidade de ela trabalhar naquilo que sonha. Mas o modelo de desenvolvimento, cada um cria o seu. Ele é bancado pela própria pessoa. A capacitação será um esforço dela. Isso faz com que, quando chegar onde almeja, ela trabalhe com tanto amor e tanto carinho que a empresa se beneficie também dos resultados. Esse modelo faz mais sentido para nós, já que não precisamos fazer treinamento para todo mundo para funções que mal sabemos se são necessárias.
Essa mentalidade exige um comportamento empreendedor das pessoas. Mas nem todo profissional tem esse perfil. Como lidar com os diferentes tipos de pessoas?
Aqui ninguém precisa ser guiado se não quiser. Há, de fato, aquelas que querem continuar no modelo tradicional, pessoas que não querem construir uma carreira astronômica ou que querem ser o mesmo analista pleno a vida inteira. Nosso único pedido é que todos sejam honestos conosco. Se está bom para alguém ficar onde está, pode continuar, sem problemas. Mas nossa experiência mostra que mais de 90% das pessoas adoram ser protagonistas da própria vida ou da sociedade. Ao terem a oportunidade, muitas percebem que isso é legal. E mesmo esses 10% que se satisfazem com a forma como vivem, sempre têm vontade de algo mais. Ainda não conheci pessoas que não têm nenhum sonho, quando questionadas sobre isso em um diálogo franco.
Fala-se muito sobre felicidade no trabalho. A expectativa de ser feliz se tornou mais uma exigência, até uma pressão, do mundo corporativo?
É fácil fazer essa interpretação porque quase tudo o que foi feito na área da administração moderna teve segundas intenções. Por exemplo, muita gente fala de sustentabilidade como algo legal, mas, em muitos casos, não pratica o conceito. Fala do tema só com a intenção de gerar imagem e lucro. O trabalho que temos feito também tem a intenção de gerar lucro – mas desde que seja de verdade. Isto é, não podemos ter uma plataforma que não seja sustentável. Não posso criar um sistema transitório, que funciona um dia, e no outro não funciona mais. Queremos criar uma plataforma coerente. A opção de ser feliz não é da empresa. É de cada um. Mas o objetivo é que as pessoas estejam inseridas em uma plataforma coerente, que oferece chances reais para aqueles que se esforçam de maneira real. Trabalhamos para criar meios para que as pessoas sejam felizes. Sabemos que, por meio dessa prosperidade, a empresa também prospera. Em vez de criar uma máquina e usar para gerar resultados incríveis, temos que trabalhar no software. Isso significa que o que os profissionais aceitavam antes, hoje não aceitam mais. É preciso modernizar a maneira de lidar com as pessoas.
Que mudanças são essas?
Começam pelo básico, que é dar tempo para as pessoas terem vida fora da empresa. Felicidade não é ser permissivo. Nós não oferecemos presentinhos, dinheiro fácil, não somos bonzinhos. Somos justos. As pessoas têm uma predileção natural por justiça. Quando você trata alguém com transparência e verdade, a resposta que recebe é compromisso. O que propomos é uma filosofia bastante vantajosa para todos. Não gosto quando dizem que a sociedade brasileira tem baixa produtividade. Essa filosofia de gestão pretende mudar isso. Passamos a vida ouvindo sobre a revolução industrial. Mas e a revolução das pessoas?
Qual foi o ponto de partida para você desenvolver essas ideias?
As frustrações que tive ao longo da vida. Sempre quis ter um gestor que conversasse abertamente comigo, que se intereressasse genuinamente por mim. Em 2006, quando estava em uma viagem de trabalho comecei a pensar sobre esses conceitos. Quando viajo, tenho uma saudade tão grande da minha família, que fico mais reflexivo e intelectual, pensando sobre a vida com uma profundidade que, no dia a dia, não é comum para mim. A partir dali, comecei a falar sobre o tema com outras pessoas, que foram me ajudando a criar uma prática. Estamos tentando fazer todas as mudanças que sonhávamos. Isso inclui encontrar um gerente e poder conversar abertamente com ele. Contar com o diretor e com o presidente da empresa de fato. Estamos tentando mostrar que a diferença entre o colaborador e o CEO da empresa é o tempo que deu a possibilidade de ele conquistar aquela posição.
Passaram-se nove anos desde que você começou a elaborar essa filosofia. Quanto tempo leva para mudar a mentalidade das pessoas?
Dizem que a cultura de uma empresa demora dez anos para ser mudada. Na minha opinião, pode até demorar esse período determinado, mas só se for de algo ruim para algo pior. Para algo melhor, demora o tempo que dura a dúvida. Isto é, o tempo durante o qual as pessoas pensam: “Onde eu vou perder?”, “O que ele quer com isso?”. Em um primeiro momento, a tendência é desconfiar de que haja um objetivo oculto. Depois que passa esse momento, as pessoas mergulham de cabeça porque faz sentido.
O que você fez para convencer os acionistas de que uma filosofia de gestão baseada em equilíbrio e felicidade era algo no qual se deveriam investir?
Se eu disser para o acionista "vamos transformar essa empresa em um lugar feliz porque isso é legal", ele não vai se interessar. Mas quando eu falo que se as pessoas estiverem felizes aqui dentro, serão mais produtivas e a lucratividade vai aumentar, é outra história. Os acionistas são o reflexo da sociedade. Se você aplica seu dinheiro em um banco, e outro banco oferecer uma rentabilidade melhor, você não vai querer trocar de banco?
Esse estilo de gestão muda a maneira como a empresa é vista pelos clientes?
O nosso objetivo é que o cliente perceba que a atenção dada a ele ocupa 100% do tempo. Porque não há mais aqueles momentos chateados, que as pessoas têm quando não estão felizes com o que fazem.
Você, como alguns outros executivos e empresários, chama as pessoas que trabalham na empresa de colaboradores (em vez de funcionários) e trocou o nome de algumas funções. Os comumente chamados de atendentes de telemarketing são os agentes de relacionamento, por exemplo. Essa mudança pode ser interpretada como um preconceito com o significado literal das funções que as pessoas têm? Afinal, o que há de errado em ser um funcionário ou um atendente de marketing?
A lógica é simples. Quem funciona é máquina. Colaborador pode fazer algo mais do que funcionar, desde que ele queira. A perda é grande para a empresa que ainda não acordou para esse modus operandi. Já o agente de relacionamento também não faz a função exata de um atendente. Ele se dedica a entender os problemas e a trazer soluções para o cliente e trabalha exclusivamente para a empresa. Nós não automatizamos a vida de ninguém. As pessoas precisam ser proativas para ajudar a melhorar o processo – e não só para criar lucro.
Muitos CEOs relatam a sensação de solidão como um efeito colateral da posição, já que, no fim das contas, são eles os responsáveis pelo resultado da companhia. Você sente essa solidão?
Não. Nós ainda vemos no mercado CEOs que têm um elevador só para eles, um andar exclusivo, e que depois reclamam da solidão. Aquele que reclama da solidão é quem não se aproxima, que não tem interesse genuíno e está artificialmente próximo das pessoas. O executivo precisa ter um pouco de humildade para ceder seu tempo, que é escasso, e seguir o ritmo das pessoas. Eu estou longe da solidão. Mas para isso, tenho que ter disponibilidade para ser parado no corredor pelo estagiário que tem uma dúvida. É quase como optar por não ser líder em tempo integral. É aceitar que a liderança é situacional. Quando chego a uma obra, aceito ser liderado por um eletricista. Sigo cegamente a liderança dele porque é ele a referência naquele ambiente. Ele é quem vai garantir minha segurança. Participo ativamente dos fóruns com toda a equipe, da diretoria a estagiários e eletricistas. Isso tudo faz com que eu me sinta próximo das pessoas.
Uma queixa comum de altos executivos e empresários é a dificuldade de saberem exatamente o que está acontecendo nas camadas mais baixas, já que as pessoas evitam dar notícias ruins a eles.
Eu converso com as pessoas abertamente, inclusive no campo de trabalho delas, então sei o que está acontecendo. Acho lamentável um chefe ter que se disfarçar de funcionário, como fazem em alguns casos, para ter a experiência do dia a dia e ficar sabendo dos problemas. Eu adoro ser participativo. Gosto de estar com as pessoas, de ouvir pontos de vista independentemente do nível hierárquico de cada um.
Essa proximidade não atrapalha na hora de ser firme e cobrar a equipe?
A minha meta não é ser padrinho de batismo do filho de ninguém, mas também não é ser o primeiro a ir para a grelha no churrasco da equipe. Quero ser justo – e não justiceiro. Isso, sim, é crível e inspira confiança. É o que me interessa.
Como medir os resultados dessa mudança de gestão?
Faço uma correlação direta da filosofia de gestão com a satisfação dos colaboradores na pesquisa interna de clima e no prêmio Great Place to Work (GPTW). Passamos dez anos fazendo essa pesquisa e tendo o resultado de 69% de satisfação. Sofríamos para conseguir uma quantidade razoável de respostas. Quando mudamos a gestão, passamos para mais de 90% de satisfação em uma paulada só. Ou seja, existia um passivo que estava guardado em algum lugar e a gente acessou. Hoje, a pesquisa de clima que fazemos indica 99% de satisfação. Isso mostra que estimular as pessoas a voltarem a acreditar nelas mesmas vale a pena. É quase que um resgate de valores que adoraríamos ver de forma maciça se solidificar na sociedade. É um círculo virtuoso. Talvez para ter mais lucro, só precisemos ser um pouquinho mais satisfeitos e felizes.
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